terça-feira, 31 de maio de 2011

Fábricas de vidro, casas coloridas e pôr do sol

São quase 21 dias na Itália. No Vêneto: Treviso, Mestre, Veneza, Burano, Murano, Torcello e por fim Verona e Mântova. Depois Gênova na região da Ligúria, e na Toscana Florença, Siena, Pisa e Lucca. Agora estamos em Bologna, na Emília-Romanha e os dias sem conexão à rede nos deixaram atrasados.

Voltando à primeira semana, em Murano, uma ilha de Veneza, os fazedores de vidro existem desde do século XII, quando, devido ao risco de incêndios, todos os artesãos do império romano que trabalhavam com vidro foram obrigados a exercerem seu ofício na ilha. Passamos umas horas lá e visitamos algumas fábricas e pudemos ver de perto como eles fazem. Depois, em Burano, também uma ilhazinha de Veneza, nos encantamos com as casas coloridas, com cortinas nas portas e roupas no varal e mesas nos pátios, onde o relógio obedece ao tempo que é só de lá. Uma pérola. Em Torcello, os gatinhos e a igreja com o mosaico de ouro que eu não vi, mas Kaká viu, nos encantaram mais que o passeio de barco. Burano me fez lembrar um livro que li quando era criança, em que uma cidade colorida fabricava seus próprios brinquedos. Eu sempre quis viajar para ver casas e pessoas de outro lugar, e as de Burano me emocionaram.
as cortinas nas portas e as roupas no varal, uma cidade de quem vive ali...


2 + 8

Viajar tanto tempo, sem ter muitos fundos disponíveis... só mesmo não vivendo só a dois o tempo todo! Hoje vai ser a última de nossas nove noites em Florença. E também a última noite (por ora) dormindo em uma das cinco beliches de um quarto.
Quando abrimos a porta do "quarto" pela primeira vez, ficamos por alguns momentos pensando se iríamos conseguir sobreviver a isso ou se era melhor desistir de vez, perder o dinheiro já pago e procurar outro lugar para ficar. Acabamos ficando por lá. Ah, só mesmo Florença para fazer o sacrifício valer a pena! Felizmente, ficamos na beliche do canto, ao lado da única minúscula janela do quarto. Na primeira manhã, entendi na pele o significado da expressão "ver o sol nascer quadrado". E como as beliches são muito próximas umas das outras, estou relembrando minha infância e dormindo em uma "cabaninha": Dindi salvou minha vida tendo a brilhante ideia de colocar a toalha pendurada de comprido na cama de cima, assim, nada de dormir de frente para desconhecidos.
Apesar de tudo, algumas coisas foram interessantes. Conhecemos algumas pessoas legais, cozinhamos, bebemos algumas cervejas no terraço. Mas que falta faz dormir em uma cama de casal sem oito estranhos ao redor! E dividir banheiro com tanta gente, então? É, nada, nada fácil. Mas essa vai ser a última noite e continuamos vivos e bem!
Amanhã, vamos para Bolonha. Vamos refazer essa conta e voltaremos a ser só dois.

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P.S.: Escrevi esse texto ontem, 30 de maio, mas esqueci de publicar! Já estamos em Bolonha, finalmente... só dois!

sexta-feira, 27 de maio de 2011

meu sangue latino

Depois do tempo de uma gravidez na Irlanda, a Itália. A Irlanda - assim como o Reino Unido - são um mundo a parte. Um grande abismo separa a cultura brasileira da cultura da qual nos inseridos durante esse tempo. Não é só clima. Alíás, a diferença vai muito, muito além do clima.
As relações familiares tão independentes e frias por um lado e tão próximas, veladas, sempre criadas e cultivas "por debaixo das asas" por outro. O que é melhor ou pior? Qual o jeito certo e qual o errado? Não sei, hoje as duas opções me parecem tão extremas que a busca por um meio termo talvez seja a melhor saída.
A comida sempre preparada do Brasil e sempre "congelada" do Reino Unido era outra grande diferença que me assustava. Comer andando na rua, de forma apressada, qualquer coisa que se compra pronta no fast-food da esquina ou fazer duas, duas horas e meia de sesta, sem correrias, sem preocupações. Que comparação injusta! Mas é assim que as coisas funcionam na Irlanda e na Itália. E aqui, ao que me parece, ninguém aproveita o horário de almoço para resolver problemas, ir ao banco, olhar  as novidades da loja preferida... nada disso! Afinal, tudo vai estar fechado para a sesta.
Mas ainda além dessas grandes diferenças estruturais na formação das culturas, pequenas coisas sempre faziam com que eu me sentisse sempre "sem espaço" durante nossa vida em Dublin. A falta de um abraço ao final de uma longa conversa com alguém que já está bem próximo de poder ser chamado de amigo, a pouca preocupação com aqueles que estão ao seu redor, a falta de espaço para uma conversa com desconhecidos que compartilham com você o mesmo espaço público. Não, nem sempre esse compartilhamento é suficiente para uma troca de duas ou três frases. Cheguei a pensar que só no Brasil as pessoas eram assim. Ah, mas a Itália...
Acho que o sangue latino é mesmo diferente dos outros. De alguma forma, temos o sangue quente. E esses antepassados em comum, mesmo em algum longínquo ponto da história, nos traz mais semelhanças do que se pode imaginar.
A importância das refeições feitas de modo apropriado, o descanso, a conversa informal, o falar alto, o abraço... na verdade, descobri que meu problema de adaptação não vinha da cultura irlandesa em si ou com a Europa - o que cheguei a pensar, generalizando demais a situação. Hoje, acho que meu problema era a ausência do sangue latino, do jeito latino de ser.
Cada dia tenho mais certeza de que se tivéssemos vindo para algum país de sangue quente ao invés de ir direto para Irlanda / Reino Unido, nosso processo de adaptação seria outro. E então seria muito mais difícil voltar.

terça-feira, 24 de maio de 2011

o que os guias não contam

Piazza Ferrari, em Gênova
Depois de conhecer Veneza, fiquei achando que tínhamos cometido um enorme erro começando a viagem por lá. Algum lugar no mundo poderia ser mais bonito do que Veneza? Tudo me fazia pensar que não.
De lá, fomos para Verona, depois Mântua, depois Gênova. Confesso que não tinha muitas expectativas com relação a Gênova... um dia antes de irmos ele me perguntou:
"O que é que tem lá mesmo?"
"Molho ao pesto e um porto muito grande", respondi. Minha resposta ingênua se baseava no que li em nosso guia, que se restringe a uma pequena foto e não mais do que três parágrafos. Grande erro.
A cidade, com mais de cem palácios, parece ter sido pensada de uma vez só para que nada saísse errado. Porque não saiu. Como se não bastasse a arquitetura tão difícil de se fazer entender por fotos, a cidade fica entre um enorme porto e montanhas. Mar e montanhas juntos no mesmo lugar? Uai, se também tivesse pão de queijo virava fácil um paraíso para qualquer mineiro. No meu caso, problema resolvido: troquei o pão de queijo pela pizza ao pesto e fiquei muito triste ao ter que deixar Gênova.
Certos lugares possuem, muito mais do que algum tipo de beleza natural ou histórica, um clima que nos atrai  do começo ao fim. Essa foi a nossa Gênova. Como diria nosso querido Aléssio: "uma pérola na Itália!"
Vista do alto da cidade.












Pátio interno do Palazzo Reale





sábado, 21 de maio de 2011

Livros: segundo capítulo

Depois da luta com o peso das malas em Dublin e de ver que não era mesmo possível fazer a longa viagem que planejamos com mais de vinte quilos de livros, doamos mais da metade para a Oxfam, uma loja de caridade onde trabalhamos como voluntários por quase toda nossa estadia na Irlanda.
Esse foi o problema. Doamos quase todos. Ainda restavam, mais ou menos, dez quilos de livros. Pois é, porque descobri que livros, quando estão em uma estante, se contabilizam pelo número. Mas quando estão dentro de uma mala que precisa ser carregada, só é possível pensar em quilos. E ainda tínhamos em excesso. Tínhamos. Até doarmos tudo para a biblioteca pública de Verona. Não sei se voltaremos lá algum dia, mas quem, por interesse ou necessidade, pegar algum desses livros na biblioteca vai ver: doado por Karina e Thiago, Brasil. Ou brasilianos.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

recapitulando...

Mais de uma semana de viagem já se foi.
Nossos dias em Verona passaram em branco por aqui: a pensão que ficamos não tinha internet e a única lan-house que achamos na cidade estava sempre fechada.
Mas antes de contar sobre a cidade em si, aqui vão nossas primeiras estórias.
Ficamos hospedados em uma pensão, que escolhemos, principalmente, por ser no meio do caminho entre a estação de trem e o centro histórico – pois é, viajar por quatro meses é sinônimo de bagagens pesadas, mesmo no nosso caso, que temos poucas coisas. Depois de dias de sol intenso, Veneza se despediu de nós debaixo de muita chuva – da mesma forma como Verona nos recebeu. Nessas condições, o caminho da estação até a pensão (Arena Artisti) pareceu inacabável.
Quando finalmente chegamos, tivemos uma recepção super amigável da dona casa, Ornela, que mora com seus três lindos gatos (antes que perguntem: é claro que eu me acabei de tanto brincar com eles!) Saímos para almoçar e voltamos para fazer a sesta (ah, esses italianos são tão sensatos, não há como não querer aderir à cultura). Quando voltamos para a pensão, descobrimos que existe uma relativamente grande comunidade budista em Verona e que o ponto de encontro para as três sessões diárias de meditação era... na sala, ao lado do nosso quarto! Com todo o cansaço, dormimos embalados por mantras cantados em uma sincronia invejável. Depois do descanso, os mantras seguiam a todo vapor. Saímos para ver melhor a cidade e, na volta, outra surpresa: ao invés da comunidade budista e seus oms, a sala – lembrando: ao lado do quarto – era agora o espaço de uma festa. Logo pensei que, apesar dos risos altos e falatório, todos deviam estar bebendo chá e falando sobre shacras, nirvana, kundalini e et ceteras do gênero. Que nada. Aceitamos o convite para nos juntarmos ao grupo: vinho, macarrão apimentado, doce com gim. A tal dona da pensão fez, junto com um amigo, a apresentação de uma peça de ópera. Os dois, cantores líricos profissionais, vão se apresentar num teatro da cidade. Nada mal terminar mais de três horas de meditação com uma festa.
E terminamos assim nosso primeiro dia em Verona: exaustos, um pouquinho altos, muito cheios... e felizes.


Arena de Verona

sexta-feira, 13 de maio de 2011

De 12 para 25

De doze para vinte e cinco graus. De ruas sujas do centro, cheirando a álcool no Liberties, para as ruas alagadas onde as gôndolas passam. Saímos de casa em Dublin às quatro e meia da manhã, com muita ressaca de Guinness. Esquecemos duas malas no táxi e se não fosse pelo fato de o taxista ter meu celular, perderíamos o avião. Esqueci como o calor é chato, e também como é extremamente gostoso tomar uma cerveja na rua ensolarada, longe das tabernas célticas. Nosso primeiro dia na Itália, saboreando uma pizza veneziana e pensando como é bom vir dalí praquí
O Canal Grande de Veneza
   

quarta-feira, 11 de maio de 2011

(re)começando

Quando o dia amanhecer no Brasil e alguém, por vontade ou acaso, ler esse texto... ao que tudo indica estaremos em Veneza! Será o ponto de partida de quatro meses de viagem.
Outra mudança e outro começo.
Quando saímos de Belo Horizonte, onde tínhamos tudo "pronto" para começar do zero na Irlanda, confesso que, apesar das várias dificuldades, tive uma sensação boa ao descobrir que a ideia de pertencimento é mesmo apenas uma ideia, um sentimento, e não algo físico. E sinto de forma muito profunda meu pertencimento à Belo Horizonte, à Minas Gerais, ao Brasil. Mas, definitivamente, não é nada físico, algo que me impeça o movimento -  como uma árvore que não pode "apreciar a vista" da outra esquina.
Apesar de estarmos, outra vez, deixando nossos empregos, apartamento, roupas e et ceteras para trás, a sensação que tenho agora é bastante diferente. Quando chegamos na Irlanda restabelecemos uma rotina e, mesmo sendo tudo muito diferente do Brasil, ainda assim era uma rotina. Ainda tínhamos uma casa, endereço, celular, conta no banco, horários, compromissos... Claro que não tão simples assim, mas de certa forma trocamos uma rotina por outra. E de hoje até setembro não teremos mais nada disso. Ah, que sublime a sensação de tirar a bateria do celular e de guardá-lo no fundo da mala! Sem compromissos, sem horários, sem chamadas inesperadas.
Enfim... esses dois não estão mais em Dublin. Estão aqui e ali.